Artista: Jéssica Ferreira. 2017. Texto. V MMPMA.

Início de semestre, e é sempre a expectativa (ou não) de encontrar um professor ou professora que apresenta a si e à disciplina, e que, eventualmente, nos pergunta o que, enquanto alunos, esperamos daquela convivência de seis entrecortados meses. Eu espero sempre uma lista bem organizada do que veremos, seguida pelas devidas recomendações. Nos dizem o que fazer, nós fazemos, recebemos notas, e assim segue a vida. Não que isso, embora possa parecer, soe como reclamação. Eu não lamento nada disso. Afinal, é o que eu espero sempre. Eu nunca entrei em sala pronta para refletir sobre quem sou, ou ainda para mostrar quem sou. Fui – e ainda arrisco dizer que sou – criada num ambiente em que devemos ser o que esperam de nós, e não o que esperamos de nós mesmos.

E quando isso, de repente, acontece?

O nome da disciplina é Teorias da Comunicação. Teorias. Aquilo que um monte de gente fala que é a “parte chata” da faculdade. Eis que aparece um professor diferente do que eu estava habituada – da minha visão engessada do que é um professor –  falando sobre coisas que eu não entendia, como se estivesse conversando com a turma. Definitivamente, não era alguém disposto a disparar textos rebuscados de consagrados autores, a empurrar aqueles conceitos bem construídos para dentro de nossas mentes. Parecia alguém cheio. Cheio num sentido ao mesmo tempo abstrato e literal. Alguém transbordando, e querendo passar esse conteúdo para nós, de forma a não somente transmitir, mas trocar, compartilhar. 

Parecia alguém que queria saber quem éramos. 

Minha parte racional diz o tempo inteiro que isso é ótimo, que isso é inovador e necessário. Mas meu emocional até hoje tenta se organizar. Nesse momento, inclusive, estou sentada diante de um notebook, ouvindo minhas músicas favoritas na tentativa de fixar melhor as ideias enquanto escrevo isso. Tudo dentro da minha cabeça parece grandes filmes passando em loop descontrolado. E um medo muito grande, que só suspeito, mas não acerto a origem. Esse medo me soterra, e os filmes na minha mente vão se enrolando uns nos outros, misturando as imagens, confundindo as histórias. Poderia ter algo muito bom ali no meio, eu não duvido disso. 

Falta descobrir como abrir o espaço para que eles saiam e se arrumem. 

O tempo todo, eu pensei. “Eu sou uma pessoa fraca?” ou “pode ser que eu ainda não saiba qual o meu tipo de inteligência e a que ela serve”. 

Mas todos somos fracos.

E como aceitar isso? Como permitir-se ser fraco?

Foi um semestre no qual toda quarta-feira minha mente e meu corpo travavam uma guerra. Onde eu me senti completamente desconfortável, simplesmente por não entender o que estava acontecendo ao meu redor. Levo isso para o lado pessoal. É como se eu mesma não me permitisse a maioria das coisas, e o mais engraçado é pensar sobre isso, é considerar a possibilidade e não conseguir se livrar disso.

Eis que surge um trabalho. E mais uma vez tudo foi diferente do que eu esperava.

O trabalho deveria fazer parte de uma sala, e poderia ser o que nós quiséssemos. 

A primeira coisa que eu quero, agora minimamente concentrada, é buscar o significado geral de liberdade.

Segundo o dicionário Michaelis, liberdade, dentre muitos outros sinônimos, pode ser a “faculdade que tem o indivíduo de decidir pelo que mais lhe convém”, “ausência de subordinação entre pessoas” ou “autonomia para expressar-se conforme sua vontade”. Em Teorias da Comunicação, eu recebi uma liberdade em mãos, nada extraordinário. 

E eu não soube o que fazer com ela. 

Inicialmente, achei que seria algo simples, leve, me senti feliz pela oportunidade, esta nos dada raras vezes no ambiente acadêmico. Entretanto, ao longo de três semestres, sinto que posso considerar esse como o trabalho mais difícil que já tive. Foi um processo que mexeu com o que sou. Que me encheu de inquietude. Envolvia tomada de decisões, criatividade, confiança, contato com o professor… uma porção de coisas que são tidas como relativamente fáceis, mas estão fora da minha “zona de conforto”. O prazo ia terminando, e o meu medo era o de transmitir a imagem de uma pessoa relapsa, sem comprometimento. Por vezes fiquei triste comigo mesma, irritada, angustiada. E por que? Talvez eu tivesse muitas ideias e nada ao mesmo tempo. Eu escrevo, pinto, desenho, mas a sensação foi de que, por um momento, meu cérebro funcionou como um liquidificador prestes a quebrar. Foram tantas coisas misturando-se umas às outras e de repente, puff, desligou. 

Tenho demais dentro de mim.

Esse demais pode ser um nada demais. 

Temo esse demais – ou nada demais – como quem teme um lugar escuro;

Entrar na sala no último dia trouxe à tona tudo aquilo que eu havia guardado. Algo que não conheço de todo me impediu de entrar em contato antes, de conversar sobre o que fazer e sobre o que eu costumo produzir. Não me sinto exatamente bem. Também não posso afirmar que me sinto mal. Me sinto… diferente. Os colegas todos produzindo, materializando suas ideias, música, pessoas, calor, cores, cheiros… Deparei comigo saindo algumas vezes, simplesmente porque precisava “enxergar” algo, andar, respirar, carregando uma chateação contida, sobre me esforçar para compreender tudo, para me expor e falar sobre algo, e sobre a possibilidade de não transmitir a imagem que gostaria. De não estar ali junto dos outros por falta de interesse ou coisa que o valesse.

A imagem… o que os outros vão pensar… sempre.

E, no fim de tudo, esse é meu trabalho. Acho.

Uma “tentativa” de relato de experiência. Para tentar coisificar num papel uma ínfima parte do que pensei e senti nesse curto tempo. Não foi uma disciplina acadêmica cheia de palavras mastigadas e cuspidas dentro dos nossos ouvidos. Aquele homem, ali, ora em nossa frente, ora entre nós, parecia sair da posição que lhe é indiretamente imposta, e sair, sair… até quase tornar-se um de nós. Ele mistura-se ao ambiente, às pessoas que ali circulam, sempre andando, falando com todo mundo, é como se ele quisesse romper cada barreira que possa haver numa relação entre alunos e professores no ambiente acadêmico, a exemplo de quando o chamamos “professor!”, ao que ele respondia, de forma irônica, “diga, aluno!”. Como se aquela pessoa se transmutasse de professor a amigo, de amigo a alguém que nos toma emprestados como seus filhos, que tem de fato a intenção de bulir com as nossas mentes.

É como se ele quisesse ser a sala, e a sala pudesse sê-lo, e ser-nos.

Como dito, eu ainda não caminhei o suficiente para entender a experiência em sua real essência. Todo esse escrito é só ‘parecimento’, é só a transcrição dos meus olhos e da minha cabeça confusa para um arquivo de computador. Um dia, quando – ao invés de ‘se’ – eu conseguir sair da prisão em que ponho a mim mesma, eu sei mesmo que vou olhar para isso tudo novamente, e perceber coisas. E depois, mais coisas, e mais, e mais… No entanto, até o momento, só posso dizer, de forma que julgo antecipada  obrigada por todo o desconforto, Tutunho. Até a próxima.

Jéssica do Nascimento Ferreira  

Fortaleza, 16 de dezembro de 2017